A cidade tem 95 mil crianças entre 0 e 6 anos, de acordo com o último Censo. Trabalhar com foco em suas necessidades é não só atender uma parcela significativa, de pouco mais de 8% da população local. É também evitar gastos sociais maiores e elevar os ganhos para toda a sociedade no futuro. O dinheiro aplicado em cuidados com as crianças volta para a sociedade na forma de economia com programas sociais, taxa de violência menor, nível salarial maior (que se traduz em produção maior de riquezas e mais impostos para manter os programas do governo).
No caso das crianças do município de Porto Alegre, os indicadores mostram as seguintes prioridades:
SAÚDE
>> A capital gaúcha tem o menor índice de mortalidade infantil por causas evitáveis de todo o país: 43%, com viés de queda. Se compararmos com outras capitais e regiões, o dado parece positivo, mas significa dizer que, de cada 100 crianças que morrem, 43 poderiam ter sobrevivido com ações mais eficientes de assistência a gestantes e ao recém-nascido, melhores condições de parto, diagnósticos e tratamentos mais precisos ou ações de promoção da saúde.
>> O município tem também um dos menores índices de mães com menos de 19 anos, 10%, praticamente a metade do que era no início do milênio. Como ocorre em outras cidades, a maternidade na adolescência é um dos indicadores que demonstram a desigualdade social: as mães são de camadas de renda mais baixa e as etnias preta e parda representam 40% dos casos, embora respondam por 20% da população local.
Uma das possibilidades de atuação é aumentar a cobertura das equipes da Estratégia Saúde da Família, que hoje atingem 3/4 da população. É recomendável a ampliação dessa política pública, já que ela pode influir em várias questões ao mesmo tempo: alerta para risco de violência contra crianças, incentivo à matrícula na creche e aleitamento materno, ampliação dos cuidados contra obesidade etc. Além de estendê-la, é fundamental fortalecer as ações de educação permanente para qualificar cada vez mais as equipes.
NUTRIÇÃO
>> O percentual de crianças que nascem com menos de 2,5 quilos é maior que a média brasileira e tem oscilado entre 9% e 10% há duas décadas. É um índice que aponta para problemas nutricionais durante a gestação ou falhas na assistência durante o pré-natal. A prematuridade e as cesarianas também são um importante vetor do baixo peso ao nascer.
>> No outro lado do espectro, a cidade tem mais de 8% de crianças até 5 anos com peso elevado demais para a idade – mais que a média brasileira, de 7,8%.
Ambos os casos requerem políticas específicas, que podem ser implementadas através da Estratégia Saúde da Família, por exemplo, e com mais atenção à qualidade da alimentação oferecida na creche e na pré-escola.
PARENTALIDADE
>> O aleitamento materno fica um pouco abaixo da (já baixa) média brasileira: metade da mães declaram fornecer leite do peito aos seus bebês de até 6 meses (a média nacional é de 53%). Sabemos que não há alimento tão completo quanto o leite materno para um bebê – sem contar os vínculos afetivos e o equilíbrio emocional reforçados com a prática.
Os programas de visitação domiciliar e as equipes da Estratégia Saúde da Família poderiam ajudar na campanha de promoção do aleitamento.
PROTEÇÃO
>> Há quase 10 mil crianças em situação de pobreza não inscritas no Programa Bolsa Família. Este dado realça a necessidade de rever os programas de enfrentamento da pobreza no município, priorizando o atendimento de famílias que tenham crianças de menos de 6 anos.
>> Embora tenha caído nos últimos anos, as quase 700 notificações de violência contra crianças de até 4 anos são preocupantes. Como esse número se refere somente à violência que gerou atendimento médico ou hospitalar, ele é apenas a parte visível de um fenômeno bem maior, de casos que não chegaram a esse extremo. Como nesta idade as crianças não têm muita autonomia para sair sozinhas, é em casa que esta violência acontece, na imensa maioria das vezes.
É crucial, portanto, desenvolver programas de orientação e capacitação das famílias para práticas de parentalidade positiva, mostrando que a violência não educa. Este é outro ponto em que os programas de visitação domiciliar e uma boa cobertura das equipes da Estratégia Saúde da Família podem ajudar.
EDUCAÇÃO
>> A oferta de creches também precisa aumentar. Hoje, elas atendem 43,8% das crianças, sendo que a meta proposta pelo Plano Nacional de Educação (PNE) é chegar aos 50% até 2024, em nível nacional, dado que pode variar um pouco considerando as características socioeconômicas das famílias em cada município. O Índice de Necessidade de Creches (INC), metodologia que permite estimar a quantidade de vagas necessárias, tendo em vista a priorização de grupos que mais precisam de atendimento, aponta uma necessidade de 55% no município.
O mesmo desafio se coloca para a pré-escola, primeira etapa obrigatória da educação básica: a meta é de atendimento universal, mas a taxa do município está em 90,7% de matrículas de crianças de 4 e 5 anos. É preciso que o município priorize a garantia de oferta de vagas. Já foi comprovado que a pré-escola é crucial para todas as crianças por oferecer os estímulos essenciais para o desenvolvimento.