A primeira infância é o período que vai do nascimento aos 6 anos de vida da criança. É uma etapa fundamental para o desenvolvimento e as experiências dessa fase são levadas para o resto da vida – mesmo aquelas que acontecem enquanto o bebê é muito pequeno e ainda não sabe falar ou tem memória apurada do que acontece à sua volta.
Hoje, a importância dessa fase já parece estar mais disseminada na nossa sociedade, mas nem sempre foi assim. A seguir, veja alguns fatores que contribuíram para essa ampliação da consciência sobre a criança:
- Socialmente, a infância vem ganhando respeito, num processo que começou há dois séculos – quando as más condições de trabalho pós-revolução industrial e, posteriormente, as mazelas de duas guerras mundiais evidenciaram a necessidade de cuidar melhor das crianças. Nesse sentido, foram ganhando corpo as políticas em prol da infância –um processo que, ultimamente, ganhou foco na fase entre o nascimento e os 6 anos de idade.
- Cientificamente, estudos em psicologia, sociologia, medicina e, mais recentemente, neurociência demonstraram que a atuação nesta fase da vida tem os maiores efeitos para a formação de seres humanos melhores: mais adaptados socialmente, mais produtivos, mais capazes, mais felizes. Isso acontece porque nosso cérebro está em formação acelerada durante os primeiros anos de vida, com um ritmo de construção de sinapses (as conexões cerebrais) muito superior ao de qualquer outra fase. São cerca de um milhão de novas conexões por segundo! Como 90% das conexões cerebrais são formadas até os 6 anos de idade, é neste período que o cérebro mais precisa de estímulos – intelectuais, afetivos, físicos e sociais. Ou seja, os impactos que sofremos na primeira infância, tanto os positivos como os negativos, carregam muito mais efeitos para o restante de nossas vidas.
- Economicamente, também está provado que os investimentos feitos em prol da primeira infância trazem um fantástico retorno financeiro. Conforme pesquisas do economista James Heckman, que lhe valeram o prêmio Nobel de Economia de 2000, o dinheiro aplicado em cuidados com as crianças volta para a sociedade na forma de economia com programas sociais, taxa de violência menor, nível salarial maior (que se traduz em produção maior de riquezas e mais impostos para sustentar os programas do governo). Estudos brasileiros na mesma linha encontraram taxa de retorno financeiro entre 12,5% e 15% ao ano.
- Em termos de justiça social, há um consenso de que a educação é uma das melhores formas de combater a desigualdade. Isso porque crianças de classes mais vulneráveis tendem a ter menos oportunidades de desenvolvimento ao longo da vida. Este é um dos principais motivos para investir em programas voltados principalmente às famílias mais pobres: não só essas políticas promovem justiça para os indivíduos que as recebem, mas reverberam em toda a sociedade (pois aumentam as possibilidades de se formar cientistas, inventores, empresários, médicos, atletas, advogados, até prefeitos ou governadores).
- No campo do direito, tornou-se comum o entendimento de que as crianças são cidadãs e sujeitos de pleno direito, mesmo se ainda não atingiram as condições de defendê-los por si próprias. Nesse aspecto, foi um marco a Convenção dos Direitos da Criança, lançada pela ONU em 1989 e ratificada por 196 países. No Brasil, este movimento foi reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que criou a doutrina de proteção integral, e pelo Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, que amplia os direitos e especifica ações para atender às crianças do nascimento aos 6 anos.
Apesar de todos esses avanços, a situação da primeira infância no país ainda está longe da ideal. Se por um lado essa fase da vida é uma janela de oportunidades, por outro é um período muito sensível. Os números e fatos a seguir reforçam o senso de urgência para a implementação de políticas e práticas voltadas às crianças pequenas:
- De quase 21 milhões de crianças entre 0 e 6 anos no Brasil, um terço vive na pobreza ou na extrema pobreza .
- Há cerca de 300 mil crianças de 4 a 5 anos fora da pré-escola – apesar da obrigatoriedade.
- Na faixa dos 2 a 3 anos, mais de um terço está fora da creche não por escolha, mas por falta de vagas ou de instituições de ensino em sua região.
- Nas famílias que compõem o quartil mais pobre da população, só 26% frequentam a creche, menos da metade da taxa do quartil mais rico.
- Mais ainda: até a mortalidade infantil, que caía consistentemente, chegando quase à metade do que era no início do milênio, estancou e hoje está de volta ao patamar de 2015.